Resenha | Nunca saia sozinho, de Charlie Donlea

Os últimos anos tem marcado a presença do escritor Charlie Donlea como um dos nomes mais emblemáticos da literatura policial contemporânea, desde sua estreia com Garota do Lago, os livros do escritor americano só aumentaram em qualidade, tensão e revelações bombásticas. Nunca saia sozinho vem provar isso novamente.

Dono de uma narrativa simples na escrita, porém e complexa na trama que se desenrola em seus livros, Donlea deu um salto gritante de seu livro de estreia (A Garota do Lago) para o segundo.

Quando Deixada para trás foi lançado pela Faro Editorial, foi a certeza de que o autor sabia onde, como e quando melhorar cada parte de sua narrativa e enredar os leitores com uma escrita ágil, limpa e funcional de um lado, enquanto do outro, nos lançava em tramas labirínticas, com vários pontos de vista e linhas temporais diferentes.

Nunca Saia sozinho é mais uma vez a aplicação de todos os elementos do estilo de Donlea, ainda assim algo novo, que tem tudo para agradar novos leitores e manter a fanbase do escritor (cada vez maior) muito feliz ao revisitar o estilo marcante em uma nova trama cheia de contornos psicológicos, tensão e mistérios.

Faro Editorial

Nunca saia sozinho | Para novos e velhos leitores de Donlea

Em Nunca saia sozinho o novo leitor vai encontrar um Donlea extremamente maduro e em pleno domínio de sua maneira de escrever e narrar (sim, são duas coisas diferentes, porém unidas no ofício de se criar uma boa história). Nunca saia sozinho é um thriller policial investigativo que contém todos os elementos que consagraram Donlea como um dos nomes mais emblemáticos da narrativa policial atual.

Aqui o você encontra, obviamente, o estranho e violento crime, uma situação permeada de mistérios, motivações sombrias e vários envolvidos em uma história de contornos esfumaçados onde a linha que separa o bem e o mal se dilui no cotidiano; um crime que choca a comunidade de uma pequena cidade do interior dos EUA (característica inaugural de Garota do Lago), um crime envolvendo ou adolescentes no final do ensino médio e às portas da universidade (espinha dorsal de Deixada para trás), ou jovens adultos na universidade ou em carreiras ainda dando os passos inicias.

Nunca saia sozinho, de Charlie Donlea

Tudo isso trazido à tona por múltiplos focos e tempos narrativos que ora se entrelaçam, ora se distanciam formando um mosaico complexo, que tanto revelam quanto confundem o leitor até o último instante da trama, mas sempre com o holofote principal apontado para uma protagonista inteligente, forte, decidida a por em pratos limpos os mistérios desse crime cheio de nuances sombrias alimentadas pela a mente cruel de antagonistas inteligentes, frios, manipuladores e que sabem como poucos, se ocultar de tudo e todos.

Nunca saia sozinho tem todos esses elementos da típica narrativa de suspense policial contemporâneo, mas não se iluda achando que ao trazer suas principais marcas e elementos narrativos que Donlea vai se repetir e fazer mais do mesmo, isso é um imenso engano.

A cada livro, como já disse antes, o autor se renovou e aprimorou muito suas habilidades e isso é absurdamente perceptível já na transição de seu primeiro livro (A Garota do Lago) para seu segundo (Deixada para trás).

Os mistérios da Escola Preparatória de Westmont

Mais uma vez Donlea utiliza para o cerne de sua narrativa duas de suas características mais evidentes: jovens ao final de sua carreira escolar prévia ao concorrido ingresso nas universidades americanas e a típica pacata e pequena cidade do interior dos EUA, onde tradição e privacidade se misturam constantemente com a sede dos jovens por mudanças, novidades e  fuga garantida pela aprovação universitária.

Na cidade de Westmont, a instituição incumbida de tal missão (a de aprovar alunos em grandes universidades) é Escola Preparatória de Westmont, renomada e rigorosa instituição que recebe alunos do país todo por seus altos índices de aprovação, educação de qualidade e rigor no trato de seus jovens alunos ao longo de 4 anos.

Mas nem tudo na Escola Preparatória de Westmont é glamour e sucesso, ao mesmo tempo que a escola tem longa tradição de sucesso na aprovação de seus alunos, nos meandros de seus corredores alunos do quarto ano vem — há anos — alimentando trotes, bullying e brincadeiras perigosas demais… Perigosas o suficiente para culminar em uma tragédia em meados do mês de junho do ano de 2019…

O podcast, o culpado, os jornalistas e a “detetive”

Um ano depois do massacre ocorrido nos arredores da Escola Preparatória de Westmont, o caso ainda não havia saído do radar da mídia nem mesmo após a condenação do professor Charles Gorman, apontado por diversas circunstâncias como responsável pelo massacre ocorrido no ano anterior.

capa de Nunca saia sozinho, de Charlie DonleaMas a condenação de Gorman não havia sido suficiente, alguns dos jovens que participavam do misterioso ritual-trote conhecido como “Homem do Espelho” e que sobreviveram ao massacre de 2019, passaram a voltar ao local da tragédia para, espantosamente, cometer suicídio…

Diante do perturbador caso da Escola Preparatória de Westmont, a mídia não se furtou a oportunidade de capitalizar em cima de uma tragédia tão singular e marcante.

Indo com alto investimento para cima do caso, surge o podcast “A Casa dos Suicídios” do jornalista Mack Carter, gravado e transmitido direto de Westmont e arregimentando audiência astronômica no país todo, gerando teorias, especulações e debates diversos a respeito do massacre de 2019 e dos suicídios ocorridos um ano depois.

Mas Mack Carter não está só nessa corrida, Ryder Hillier, jornalista local, estava de olhos bem focados quando o massacre da Escola Preparatória de Westmont ocorreu. Fora ela quem registrara tudo, que dera os primeiros informes, que lançou o caso aos olhos do país através de seu site e de seu canal no YouTube.

Sabendo do potencial estrondoso do podcast “A Casa dos Suicídios”, Hillier decide avançar também sobre o terreno que ela mesma começou a desbravar um ano antes e, assim, recuperar as atenções que antes suas publicações tinham sobre a tragédia, mas diante dos investimentos altíssimos que a produtora do podcast tem feito, a jornalista precisa de algo novo, novo e quente.

Não tardou para o faro de Hillier encontrar algo no mínimo inusitado em um comentário de internet: os números 13:3:5 possuem relação direta com a tragédia de 2019 e algo terrível está prestas a acontecer novamente.

Nesse ínterim, convidado por seu agente a fazer uma consultoria para o podcast “A Casa dos Suicídios”, o Dr. Lane Phillips se prepara para ir até Westmont encontrar com Mack Carter. Com seus vastos conhecimentos sobre serial killers, o Dr. Phillips é o autor da tese “Uma mulher na escuridão”, trabalho vultuoso no tema, a tese de Phillips lançou luz sobre um crime que se estendeu por décadas e se desdobrou no ano anterior com a participação ativa da perita em reconstituição de cenas criminais Rory Moore, companheira de Lane Phillips nos últimos 10 anos.

O peculiar casal tem planos diferentes: Rory não pretende acompanhar Lane até Westomont, seu hobby de comprar e restaurar bonecas raras falou mais alto e a mais brilhante perita da polícia vai em outra direção para arregimentar em um leilão sua mais nova peça. Lane não contará com a ajuda de Rory…

Enquanto isso, Lane se encontrará com Carter para os primeiros ajustes e aplicações dos conhecimentos de Lane ao crime da Escola Preparatória de Westmont; pois ao que tudo indica, o massacre de 2019 foi obra de um meticuloso serial killer. Algo muito acima das capacidades da polícia local solucionar.

Mas o casal genial não vai ficar separado por muito tempo e não tarde para Rory Moore ser fisgada pelo caso. Dentro do espectro autista, Rory é incapaz de escapar aos chamados de sua mente peculiar, detalhista e obsessiva diante de determinados estímulos.

E, para o bem ou para o mal, o caso de Westmont dispara todos os seus alarmes de determinação, um chamado impossível de ignorar, uma compulsão para solucionar pontas soltas e saber exatamente que algo está equivocado fazem de Rory uma mente prodigiosa, determinada e perfeccionista… todas as qualidades necessárias para recriar com perfeição cenas de crimes.

E é desse modo que Donlea inicialmente distribui seus principais jogadores no tabuleiro. Outros estão distribuídos pela narrativa principal, outros nos “interlúdios” que ou se situam em outra época ou em outros locais.

Mas claro, a narrativa do autor não permite que se fale demais sobre certos aspectos e personagens sem estragar a experiência dos outros leitores, uma vez que esses outros elementos são justamente parte dos recursos de “mostra e esconde” necessários à narrativa de um thriller investigativo. Mostrar o que está escondido numa resenha é até um pecado…

E o jogo começa…

Com seus principais personagens em Westmont, Donlea arma um tabuleiro de xadrez com maestria extrema, ao movimentar suas peças mais evidentes de forma clara e rumando para o desfecho e revelação dos pontos obscuros de um crime que é mais do que aparenta ser, o autor vai nos guiando por uma construção de espaço-tempo que tem múltiplas faces, algumas inclusive intercambiáveis, outras completamente autônomas, outras completamente dependentes entre si ou com a trama principal.

O mais interessante desse mosaico de personagens, cenários e tempos diversos é notar como o autor se tornou versátil em coordenar cada um desses elementos ao mesmo tempo em que amplia o número de recursos disponíveis em sua narrativa.

Uma mulher na Escuridão, livro antecessor de Nunca saia sozinhoSe em A Garota do Lago tínhamos dois focos narrativos bem distintos entre Becca Eckersley e Kelsey Castle, aqui temos o autor expandindo os focos para muitos outros pontos de vista e, apesar de Rory Moore ser a grande estrela desse thriller, os holofotes de Donlea tem espaço para Ryder Hillier brilhar, para Lane Phillips brilhar, para o grande assassino brilhar também, claro, afinal de contas, ele está lá o tempo todo rondando, espreitando e tramando.

Além do que podemos chamar de narrativa padrão (aquela que conta uma história com começo, meio e fim), Donlea também nos dá outras pistas na forma de relatos estranhos e de tom confessionais capazes de nos fazer questionar a sanidade de ao menos uma meia dúzia de personagens do livro.

Nunca Saia Sozinho é versátil tanto na trama quanto em seu ritmo que alterna momentos de tensão e apreensão constante com outros de desenvolvimento geral da trama e de seus personagens.

Mesmo que já saibamos o que aconteceu uma ano antes na cronologia do livro, à medida que Donlea vai desvelando os fatos que culminaram no massacre da Escola Preparatória de Westmont, vamos mergulhando naqueles cenários sombrios e na violência do fatídico episódio com grande suspense.

Além de ter se tornado cada vez melhor na construção de suas tramas e na forma de desenvolver sua narrativa, Donlea também se tornou um grande criador de personagens; é notável sua evolução na descrição de seus protagonistas, coadjuvantes e antagonistas.

O modo como as pequenas idiossincrasias de Rory são descritas, o cuidado com que a personagem dedica tempo, paciência e delicados movimentos ao ato de reformar suas bonecas ou o de tomar suas cervejas enquanto analisas fichas, relatórios e fotos de cenas de crimes é claro indicativo do cuidado com que o escritor construiu sua personagem.

Vale lembrar (e informar aos novos fãs) que Rory Moore é a protagonista do livro Uma Mulher na Escuridão, o quarto livro do autor. Extremamente complexa, Rory é uma das personagens recentes mais interessantes com quem me deparei e Donlea parece ter carinho especialíssimo por sua investigadora também, dedicando a ela não só um livro inteiro, mas praticamente o seguinte.

É pouco provável que alguém não se sinta encantado pela personagem, sua inteligência prodigiosa e suas características peculiares advindas do espectro autista; características estas que a tornam não só uma personagem plural, mas acima de tudo uma personagem inclusiva.

Mais do que uma investigação unilateral, Donela constrói mais uma vez neste livro um intrincado jogo de relações humanas de todo tipo, o que dá aos seus livros um tipo de sentimento único, misto de melancolia, esperança, medo e determinação; uma espécie de busca constante por justiça verdadeira para aqueles que foram vitimados pelas feras humanas que o autor tão bem representa através de seus criminosos.

Não são poucas as ocasiões que Donlea é comparado com outros autores consagrados do gênero do romance policial. Eu particularmente não gosto muito de fazer tais comparações, pois acredito que o autor trilha um caminho bem próprio e particular; claro que Donlea tem suas referências (quem não as tem, não é?), mas acredito que ele as pega, se inspira e cria algo novo e particular.

Desde seu primeiro livro que fica evidente o fato de que Donlea quer contar mais do que uma história sobre crimes e investigações, o autor quer contar histórias humanas, com sensibilidade, com elementos do cotidiano, com escolhas certas e escolhas erradas, sempre deixando evidente que os “monstros” de nossa sociedade são, acima de tudo, “monstros” reais, “monstros humanos”, são pessoas capazes de ir além de qualquer pacto social, qualquer lei ou princípio para ferir alguém; mas que do outro lado há aqueles que se importam com quem some na escuridão, com quem se perde nas águas de uma lago gelado, de que há quem se esforce para não deixar ninguém para trás ou cercado pela escuridão. As histórias de Charlie Donlea, acima de tudo, são histórias de esperança, no final das contas, talvez por isso mesmo, ele tenha se tornado uma dos meus autores de thrillers policias preferido.

Se você está se deparando com este livro sem nunca ter lido nada do autor, você vai saborear uma experiência espetacular, lapidada e trabalhada por um autor que já tem uma sólida trajetória prévia, uma trajetória em que está claro o que e como Donlea faz suas narrativas. Você vai achar aqui o que há de melhor na narrativa policial contemporânea, que dialoga com o espírito do tempo que vivemos.

E se você é um leitor que, assim como eu, vem caminhando com Donlea ao longo dessa trajetória livro após livro, bom, não preciso falar muito mais do que o próprio trajeto fala por si. Você está em casa, você conhece o anfitrião e sabe de sua habilidade para nos enredar pela teia de suas histórias.

Atenção!!! Alerta de Spoiler abaixo!!!

Nunca Saia Sozinho é um livro que tem tudo para agradar qualquer leitor, mas é fato inegável que este primoroso livro foi feito com carinho especial para os fãs de longa data do autor. Além de Rory Moore retornar, os leitores de Donlea vão encontrar outro velho conhecido que é ninguém menos que o detetive Gus Morelli, um dos protagonistas do livro Não Confie em Ninguém, o terceiro do autor.

O expediente não é novidade para os fãs do autor, a médica legista Livia Cutty do livro Deixada para trás fez participação especial no livro Não confie em ninguém e interagiu com Sidney na produção de seu documentário. Sabem o que isso significa? Significa que o Donleaverso é real…

Atenção!!! Alerta de Spoiler acima!!!

Nunca saia sozinho, de Charlie Donlea | Sinopse

Há um ano, dois estudantes foram mortos em um massacre terrível. Desde então, o caso se tornou o foco do podcast “A casa dos suicídios”. Embora um professor tenha sido condenado pelos assassinatos, muitos mistérios e perguntas permanecem.

O mais urgente é: por que tantos alunos que sobreviveram àquela noite macabra voltaram ao lugar para se matar?

Rory Moore, especialista em casos arquivados, e seu parceiro, Lane Philips, começam a investigar a noite dos assassinatos, em busca de pistas que possam ter escapado da escola e da polícia. Porém, quanto mais descobrem sobre os alunos e aquele jogo perigoso que deu errado, eles se convencem de que algo fora do normal ainda está acontecendo.Nunca Saia Sozinho | Mais recente livro de Charlie Donlea chega às livrarias

O jogo não acabou. Ele prospera… em segredo, em silêncio. E, para seus jogadores, pode não haver uma maneira de vencer ou de sobreviver.

Nunca Saia Sozinho | O Autor

CHARLIE DONLEA Vive em Chicago com sua esposa e dois filhos. Um de seus hobbies é pescar em lugares praticamente desertos do Canadá. Essas viagens por estradas paradisíacas servem de inspiração para seus livros. Ávido leitor, é também apaixonado por música, seriados e esportes.

Quando decidiu escrever histórias de suspense, ele se preparou para produzir algo como tudo o que gosta de encontrar nos seus filmes e livros prediletos: uma narrativa capaz de manter o leitor refletindo sobre ela por muito tempo, mesmo depois de terminada a leitura.

É autor dos best-sellers A Garota do Lago, Deixada para trás, Não confie em ninguém e Uma mulher na escuridão. Seus livros já foram traduzidos para mais de doze idiomas e publicados em mais de vinte países.

Nunca Saia Sozinho | Ficha Técnica

  • Título: Nunca Saia Sozinho
  • Autor: Charlie Donlea
  • Formato: 16×23 cm
  • Páginas: 352
  • ISBN: 978 -65-86041-36-1
  • Editora: Faro Editorial
  • Preço: R$ 59,90

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Nunca Saia Sozinho | Mais recente livro de Charlie Donlea chega às livrarias

Sobre o Autor

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Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.

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