Resenha | Quarentena – Contos Isolados, de Maurizio Ruzzi

2020 sem sombra de dúvidas marcou a história mundial quando a realidade de uma pandemia veio à tona depois dos surtos de COVID ocorridos no território chinês; não tardou para que nosso mundo conectado e globalizado também conectasse e globalizasse o corona vírus

Tal qual um filme, as fronteiras forma fechadas, quarentenas decretadas e quase que repentinamente todos nós fomos postos dentro de nossos lares para evitar que a velocidade e facilidade de contágio fosse ainda mais avassaladora. O saldo de contaminados não parou de crescer e o de mortes veio acompanhando-o de perto…

Países como EUA e Brasil se tornaram quintal fértil para a proliferação do corona vírus e grandes centros de conflitos entre aqueles que queriam suavizar o impacto de uma pandemia moderna de um lado e aqueles que queriam isolamentos rígidos.

Os médicos e cientistas de um lado e uma verdadeira falange de alienados de outro tentando a todo custo atacar a ciência e as pesquisas em busca de uma cura contra a COVID-19Mais de 200 mil mortes não foram suficientes para que, passados vários meses, muitos entendessem quem era o inimigo por aqui.

Quarentena – Contos Isolados | Ficção e realidade lado a lado

Diante de um contexto como esse, muita coisa mudou e o que não mudou por escolha própria, precisou ser mudado na marra. Shows, cinemas, uma simples ida ao supermercado, uma visita para os amigos, uma ida à praia ou aquele jantarzinho romântico para comemorar os primeiros meses de namoro, tudo mudou de forma abrupta em prol da segurança pessoal e dos entes queridos dentro do grupo de risco.

capa do livro Quarentena - Contos IsoladosA ficção, claro, não poderia se furtar o direito de olhar para esse “novo normal” com olhos criativos e trazer a nós um pouco de alívio dentro da alcova de nossos próprios lares.

Abalroados pelo poder de infecção do vírus, amordaçados por nossas máscaras e reféns de um governo inapto, incapaz, negacionista, incompetente sob a direção de um presidente lunático, falastrão e boca suja, restou ao cidadão brasileiro buscar algum conforto no entretenimento: filmes, séries, lives musicais, livros…

Foi no escapismo da indústria do entretenimento que pudemos ter algum alívio e esperança para aguardar as primeiras vacinas contra o corona vírus, estas ainda tendo de combater o vírus da ignorância de uma grande fatia da população que amenizou a pandemia e deu ouvidos ao lunático que “governa” o Brasil como quem governa suas milícias particulares para produzir fake news e desinformação.

Talvez você, leitor, se indague os motivos de um preâmbulo tão extenso… Oras, toda obra é fruto de seu tempo, seu contexto e do que rege a vida das pessoas; então é impossível nesse contexto da pandemia dissociar a importância de Quarentena – Contos Isolados do estado de coisas no qual estávamos, até pouco tempo atrás, mergulhados até os pescoços.

Quarentena – Contos Isolados não pode ser descolado de sua matriz de inspiração, por mais dolorosa que ela seja (mais de 200 mil mortes só no Brasil) e dos impactos das mudanças causadas pelo isolamento de forma tão drástica que até mesmo a chegada das primeiras vacinas ainda não nos trás grandes expectativas de voltarmos à normalidade anterior ao estado de pandemia.

E é assim, com esse misto de realidade cruel e de liberdade ficcional que este excelente livro de contos vem nos brindar com o que, acredito eu, seja o primeiro livro nacional de ficção a abordar o tema da pandemia de COVID-19, seu impacto social, suas consequências no curto prazo, suas mudanças de médio e longo prazo.

Com toques de muito sentimento, bastante criatividade, críticas ferinas, humor inteligente e muita versatilidade que essa obra em suas 196 páginas nos faz refletir sobre nossa caminha nesse século em que vírus biológicos por vezes são até mesmo menos nocivos que a ignorância do próprio ser humano.

Quarentena – Contos Isolados trás para os leitores 13 histórias muito bem escritas, com toques e requintes do que há de melhor no gênero do conto: histórias curtas, mensagens fortes, textos criativos, reflexões coesas e claro, muita diversão.

Um obra mais que oportuna (nem de longe oportunista, que fique claro), este livro vem inaugurar um marco de referência da literatura ficcional brasileira, brindando-nos com uma perspectiva em “tempo real” do que foram os primeiros dias de isolamento em nosso país e em certa medida no mundo todo. Quarentena – Contos Isolados não só é oportuno, é necessário.

Talvez haja aqui e ali alguns exageros ou equívocos que vão ser notórios com o passar dos anos, mas vale lembrar que não é trabalho da Literatura retratar a História e seus acontecimentos passo a passo, afinal de contas, o que temos aqui é um livro ficcional que se propõe a olhar para um contexto e extrair dele o combustível necessário para nos contar pequenas histórias onde imaginação e realidade se cruzam, se misturam e resultam em um novo contexto. Aqui a precisão cirúrgica e documental da pesquisa científica dá lugar ao lirismo da escrita literária.

Quarentena – Contos Isolados vai ser um amigo para o qual olharmos daqui com alguns anos e percebermos como foram os primeiros dias, como foram as primeiras mudanças, como foi estar diante de um inimigo invisível e de como é perigoso dissociar a ação do governo de nossas vidas pessoais, como se essas duas instâncias da vida social fossem coisas completamente apartadas… e não, não são.

Os anos que virão se encarregarão de fazer os derradeiros e certeiros julgamentos a quem de direito ser julgado; mas uma coisa eu sei: Quarentena – Contos Isolados será uma dessas testemunhas e olhar para ele com o distanciamento do passar dos anos nos mostrará muito mais coisas, aquelas coisas que só nos são permitidas ver de uma certa distância, distância suficiente para que possamos abarcar todo o horizonte que se estende atrás de nós depois de termos caminhado tanto.

196 páginas, 13 contos, um punhado de histórias, personagens e situações para levar consigo a qualquer lugar e hora, para nos lembrar daqueles que partiram inesperadamente, daqueles que venceram a luta, daqueles que estiveram na linha de frente e também daqueles que falaram asneiras, fizeram pouco caso, ignoraram avisos, desdenharam da ciência, vocês também terão seu lugar de memória, até para aprendermos com vocês e com a ignorância de vocês os passos a não seguir.

Eu me encontrei muitas vezes nas páginas desse livro, tenho certeza que você também se encontrará… e, espero eu, que do lado certo. Quarentena – Contos Isolados está disponível no site da Skull Editora e no site da Amazon em formato digital.

Quarentena – Contos Isolados | Sinopse e Ficha Técnica

Tantas vezes foi dito que a ficção imita a vida, e também que a vida imita a ficção. Quem imita quem? É tão difícil responder essa pergunta como é responder “quem nasceu primeiro, o ovo ou a galinha?” A vida sempre cria novas situações, aparentemente impossíveis e impensáveis.

Mas quanto disso é consequência da ação de pessoas que, sabendo ou não, agem sob o efeito da literatura? Porque a maneira como elas veem o mundo  — a própria estrutura de suas ideias — veio da literatura, como a história do lobo mau que viram quando criança e o filme de ficção que recentemente as deixou boquiabertas no cinema (ou na Netflix!). Esse ciclo corre solto, sem parar, vida e ficção, ovo e galinha, um nascendo do outro, eternamente.

Quarentena – Contos Isolados” é um novo elo nesse ciclo, 13 contos inéditos que conversam com a ficção científica e a crônica, surgidos assim que a vida acabou de fazer uma curva inesperada. “…Só que nós não contamos com a capacidade que as pessoas têm de corromper as coisas. As pessoas corrompem tudo, as pessoas corrompem a morte. Diabos, as pessoas corrompem até o capitalismo.

  • Título: Quarentena – contos isolados
  • Preço: R$35,00
  • Autor: Maurizio Ruzzi
  • Formato: 14 x 21
  • Páginas: 194
  • ISBN: 978-65-86022-28-5
  • Acabamento: Miolo Colorido / Capa 4×4
  • Editora: Skull Editora

Sobre o Autor

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Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.

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