Vozes do Joelma | Venha ser atormentado você também…

Em Vozes do Joelma, quatro dos mais talentosos autores do terror nacional atual se juntam para nos entregar uma antologia de contos inspirada nas assombrosas histórias que rondam a tragédia do Edifício Joelma. Tem tudo para integrar as listas de melhores do ano.

A fama de mal-assombrado do Edifício Joelma só perde em abrangência para a fama da tragédia que se abateu sobre a edificação no fatídico dia 1º de fevereiro de 1974: um incêndio de grandes proporções destruiu 14 dos 25 andares do Joelma e contabilizou 187 mortos e cerca de 300 feridos.

Faro Editorial

A tragédia do Edifício Joelma chocou o país inteiro e as cenas fortíssimas de pessoas que se atiravam do edifício para se salvar das chamas são assustadoras e extremamente tristes, uma vez que não havia a menor chance dessas pessoas serem salvas em hipótese alguma.

São Paulo parou, o restante do país parou junto e acompanhou tudo estarrecido pelos noticiários da TV, rádios e demais veículos de comunicação da época.

Vozes do Joelma | Fatos, Ficção e Fantasmas

Mesmo depois de 45 anos, a tragédia do Joelma ainda assombra o imaginário e as lembranças dos que, de algum modo, estiveram em contato com ela, seja de forma direta ou indiretamente.

Quase 5 décadas depois e de uma longa reforma nas estruturas remanescentes, não são poucos os relatos sobre vozes e aparições nos corredores do prédio que hoje se chama Edifício Praça da Bandeira.

capa do livro Vozes do JoelmaMisto de realidade e lenda urbana, as aparições e vozes no interior do antigo Joelma, bem como as que cercam sua fundação, são terreno mais do que fértil para materializar diversas novas histórias e situações a partir dos relatos assombrados e visões estranhas que são constantemente relatadas.

De posse dessa premissa — utilizar os mistérios em torno do Joelma e sua tragédia — a Faro Editoria partiu dos pontos cegos, dos fatos históricos, dos relatos constantes e da imaginação de quatro jovens autores de talento e mórbida criatividade para publicar o assustador e instigante livro Vozes do Joelma, obra que tem tudo para integrar as listas de melhores lançamentos no gênero Terror/Horror/Sobrenatural de 2019.

À frente da empreitada de dar vida aos mistérios em torno do Edifício Joelma, os autores Marcos De Brito, Marcus Barcelos, Rodrigo de Oliveira e Victor Bonini foram convocados como que se fossem convocados os quatro cavaleiros do apocalipse literário.

Esses quatro nomes estão entre os autores mais proeminentes e criativos do catálogo da Faro Editorial.

Sem querer desmerecer nenhum dos outros escritores e escritoras igualmente brilhantes que eles publicam, mas esses quatro nomes são responsáveis pelo sucesso dos gêneros de Terror, Suspense e Horror do catálogo da editora.

Estruturar toda a “coluna” dos gêneros Terror, Horror, Suspense e Sobrenatural de uma editora não é uma tarefa fácil, mas os quatro autores estão realizando ao longo dos últimos anos essa tarefa com maestria.

Com obras inteligentes, tensas, macabras e com narrativas ágeis e inventivas, o quarteto do apocalipse da Faro Editorial vem se mostrando mais do que apto para erguer uma obra fictícia à altura da tragédia do Joelma.

Coube aos quatro autores construir e desenvolver toda uma mítica em torno do Edifício Joelma e a tragédia que se abateu sobre ele, desnudar sua história real, recriar fatos, construir personagens e situações que pudessem não só ter liberdade criativa, mas acima de tudo, zelo e respeito pela tragédia real sem banalizar a dor do acontecido.

Nada neste livro é gratuito, banal, forçado ou exagerado. Pelo contrário, o que cada autor faz em seu respectivo relato é construir histórias de forte impacto, coesão textual e muito, muito apuro no suspense, terror e horror; tudo sem perder de vista o fio que conduz para as fundações do Edifício Joelma e os relatos que vieram anos após a tragédia que marcou a prédio.

Vozes do Joelma | Passado, Presente e Futuro entrelaçados por vozes e fogo

A cada um dos quatro escritores coube abordar diferentes períodos da história que circundava o prédio antes, durante e depois do fatídico incêndio que marcou o fim de uma era e o começo de outra em relação ao ocorrido.

Os quatro contos de Vozes do Joelma são tão diferentes entre si quanto seus autores, a única similaridade ou parte comum é ter o Edifício Joelma como pilar central e o sobrenatural, macabro e assustador como substância chave das narrativas.

Os Mortos não perdoam, de Marcos DeBrito

Ao autor Marcos DeBrito, por exemplo, coube relatar em “Os Mortos não perdoam” o bizarro caso de uma família vítima de um macabro assassinato e que residia no terreno que futuramente seria erguido o Joelma. Uma trama com requintes de crueldade, violência e frieza de fazer inveja a muitas histórias famosas da literatura de serial killers.

Nesse primeiro conto DeBrito nos enreda pela história do jovem Pablo de 26 anos que trabalhava como auxiliar de laboratório na universidade para o Dr. Kauffman.

Ainda muito cedo Pablo se tornou responsável pelo sustento de sua mãe e de suas duas irmãs e isso fazia o jovem sentir dia a dia o peso de tal responsabilidade desde a morte do pai.

Pablo namora a jovem Isaura com quem pretende se casar e ter uma vida sem o peso das responsabilidades impostas pela mãe idosa, pela irmã doente e pela irmã caçula alienada que sonha com o dia em que um belo e rico cavalheiro da alta sociedade a peça em casamento enquanto se embala no balanço do quintal.

Aparentemente nenhuma dessas pessoas vai ter o que quer…

Regado pelas ambições de Pablo, o conto de De Brito é um ótimo e inquietante “abrem-se as cortinas” para o que nos aguarda ao longo do livro e já deixa antever todo o clima pesado e mórbido que será o norte de Vozes do Joelma.

Não por acaso o conto que abre a coletânea é inspirado no caso real popularmente chamado de “Crime do Poço”, ocorrido no ano de 1948; a casa da família Camargo ficava alguns metros adiante do terreno que seria erguido o Edifício Joelma.

A fama de local macabro ainda se estende mais para trás, uma vez que boa parte da localidade servia como “pelourinho” para castigar escravos desobedientes.

Seria esse o começo de toda a carga negativa e sobrenatural que ronda o Joelma? Ou há algo mais antigo e pernicioso rondando o local manipulando tudo e todos do interior de sombras muito mais antigas que o próprio ser humano?

Nos deixem queimar, de Rodrigo Oliveira

Para não deixar a pergunta já definida e sua resposta bem delineada, Rodrigo de Oliveira nos leva exatamente para o dia da tragédia que destruiu quase que completamente a estrutura do prédio.

ilustração do livro Vozes do JoelmaNo conto “Nos deixem queimar”, o autor nos revela que por trás do incêndio há uma miríade de pequenas histórias individuais que se cruzam, se entrelaçam, se desmancham em cinzas e sussurram da escuridão para os que querem ou não ouvir.

Nessa segunda narrativa Oliveira se aproveita dos pontos cegos e brechas sobre o dia da incêndio e cria personagens e situações para preencher essas lacunas com requintes de sadismo e violência, construindo uma narrativa que mistura o horror tanto de ordem física quanto o de ordem sobrenatural.

Mesclando esses elementos sobrenaturais com elementos da pura e simples crueldade humana, Oliveira nos lembra que às vezes os piores monstros a nos atormentar somos nós mesmos.

Oliveira cria um conto que é misto da história individual com história coletiva, expondo desejos obscuros, pontos fracos, pequenos egoísmos, ganâncias e desejos mesquinhos típicos dos seres humanos quando estão em grupo.

Oliveira também prepara o terreno para o conto do autor Marcus Barcelos de forma muito interessante.

Os Treze, de Marcus Barcelos

No terceiro conto da antologia é a vez de Marcus Barcelos nos apresentar Amilton protagonista do conto “Os Treze”, homem de origem simples, filho de dona Guilhermina e de um pai que há muito foi embora e de quem não sente a menor falta, sobretudo por conta das surras que o homem lhe dava, bem como em sua mãe.

Trabalhador e introspectivo, Amilton seguia a vida como “faz tudo” de seu bairro. Todos sabiam de sua competência para diversos tipos de trabalho e afazeres.

Vozes do JoelmaA única coisa mais certa que sua capacidade de realizar vários tipos de trabalhos braçais era o coração endurecido de Amilton, cuja única pessoa importante na vida era a mãe.

Aaos demais o jovem só destinava sua indiferença silenciosa e uma certa dureza de espírito que o tornara incapaz de se sensibilizar pela dor alheia. Mas isso lhe acarretaria um preço alto demais a ser pago no futuro.

Depois de certo tempo e de algumas mudanças drásticas, Amilton acabou indo trabalhar no cemitério local sob as ordens de Ernane, um senhor cujo caminho já havia cruzado o de Amilton em duas ocasiões distintas e nada amistosas. Mas não tardou para surgir entre ambos uma grande e respeitosa amizade.

Foi neste cemitério e no turno de Amilton que 13 corpos completamente carbonizados foram trazidos às pressas para serem sepultados.

Não por acaso eram vítimas do incêndio do Edifício Joelma, todos fatalmente presos em um dos elevadores do prédio durante as horas mais cruciais do caos.

O amontoado de corpos enegrecidos pelas chamas não tinham a mínima condição de ser devidamente identificado, a lapide comum aos 13 corpos marcou um ponto de virada na história de Amilton, pois na mesma noite vozes e estranhos sonhos começaram a atormentar todos que trabalhavam no local.

Soma-se aos estranhos fenômenos que todos atribuem às 13 almas sepultadas vindas da tragédia do Joelma as aparições de um soturno homem todo de preto que perambula por entre as sepulturas do cemitério.

Amilton precisa superar seu medo e os pesadelos que assombram suas noites para descobrir o que realmente está acontecendo ao seu redor, mesmo que isso custe caro demais.

A história contada por Barcelos é carregada de elementos diversos em uma narrativa de suspense, é também um conto bem intimista que nos mostra a jornada pessoal de Amilton em busca de paz e redenção em sua vida tão marcada por perdas, dores e sofrimentos.

O Homem na Escada, de Victor Bonini

Já o quarto conto, “O homem na Escada”, escrito magistralmente por Victor Bonini é em minha opinião o melhor da coletânea. A narrativa de Bonini é riquíssima em detalhes que vão desde o mais obscuro sobrenatural até o que há de pesado em críticas sociais.

Ao situar sua narrativa numa ocupação situada no que sobrou do Edifício Joelma, Bonini nos presenteia com uma história sensível, contundente e cheia de personagens absurdamente reais, por isso mesmo assustadora em amplo e vasto sentido.

Os ocupantes das ruínas do Joelma enfrentam as lutas diárias dos que não possuem nada e precisam se abrigar entre os espaços obscuros não só da nossa sociedade, mas do prédio em si.

Dona Solange, uma senhora idosa vivia num dos apartamentos do Joelma junto com sua filha Eugênia grávida de um “cara” qualquer, barra pesada, metido com drogas e afins.

A violência contra Eugênia foi o pontapé para dona Solange querer um basta nessa situação; a vozes em sua cabeça lhe dizia sutilmente o que e como fazer…

Dona Solange toma sua mais importante decisão e “o homem da escada”, com seu chaveiro tilintando ao caminhar, deu “uma forcinha” na difícil decisão.

Mas não tardou para que o estranho sumiço do “traste” (como Dona Solange gostava de chamá-lo) ser notado por Dinei, chefe da ocupação e por Laiz, a ex do “cara” e, pior de tudo, mãe de sua filhinha, por quem Dona Solange acaba criando grande afeto.

O círculo começa a se fechar e a culpa começa a pesar, a voz não para de sussurrar frases perniciosas, e o odor de podridão não para de se alastrar pelo antigo Joelma.

E assim Bonini vai nos guiando por uma angustiante história de medo, de terrores sobrenaturais e terrores sociais constantes. Cada personagem dessa trama já está meio morto, já está perdido e em danação e o autor vai nos levando por essa espiral decrescente de degradação humana, desespero, medo e vidas despedaçadas.

Cheio de momentos que alternam a delicadeza de uma velha mãe que aguarda a chegada de sua netinha com sensação claustrofóbica da culpa sufocante de uma consciência pesada, Bonini nos enreda página a página por corredores, escadas, fosso de elevador, quartos apertados e escuros, de atmosfera pesada, soturna e com olhares espreitando cada passo dado.

As vozes estão por todos os escombros do Joelma ou estão especificamente dentro da cabeça daqueles que devem? A pergunta é mais complexa do que pode aparentar a superfície e Bonini sabe jogar muito bem com essa dualidade entre o real e o sobrenatural, entre o amor e o ódio, entre o delicado e o profano.

Vozes do Joelma | E, quando tu contemplares o abismo…

Mais uma vez a Faro Editorial está de parabéns com suas obras e seus autores. Alguns anos atrás ter livros e obras de Terror, Horror, Suspense e afins escritas inteiramente por autores nacionais seria considerado ou um exagero, um luxo desnecessário, um risco ou uma grande aposta… ou o que era mais comum: tudo isso junto.

Mas contrariando qualquer prognóstico negativo aqui estamos nós, com quatro jovens autores despontando no horizonte com estilos fortes, muita criatividade, originalidade e ousadia para contar histórias de Terror/Horror que não deixam absolutamente nada a desejar se comparadas com grandes nomes já consagrados de outros países.

Esse Vozes do Joelma vem engrossar e fortalecer essa perspectiva de que podemos ir além da inspiração do que é feito lá fora e criamos aqui mesmo com nossas próprias inspirações histórias incríveis e que ecoam reflexos de nossa própria realidade.

Hoje, depois de obras como as lançadas pela Faro Editoral e seus autores brasileiríssimos, temos a oportunidade de prestigiar um Terror/Horror genuinamente nacional que, sim, bebe dos grandes nomes para se inspirar, mas também sabe criar por conta própria suas próprias histórias.

Se você é fã de histórias macabras, com doses de violência, terror psicológico, criaturas espreitando da escuridão, personagens instigantes percorrendo histórias macabras e que dialogam com o mundo em que vivemos, então Vozes do Joelma clama por ser lido e relido.

Claro, não poderia faltar aqui o sempre essencial elogio ao trabalho gráfico e editorial da Faro em preparar este lindo livro: papel de boa gramatura na capa e no miolo, belíssimas ilustrações entre os contos, excelentes textos de apresentação/introdução escritos por Tiago Toy e um belíssimo efeito de brilho na capa da publicação. Forma e conteúdo mais uma vez lado a lado para nos proporcionar o melhor da leitura.

Por fim é preciso pontuar que a importância de Vozes do Joelma no catálogo da Faro Editorial é extremamente relevante: o livro é o 100º a ser lançado pela editora, uma marca histórica, sobretudo levando-se em conta as grandes dificuldades pelas quais o mercado editorial vem passando nos últimos anos.

Essa vitória é de todos os fãs da boa Literatura, sobretudo a boa Literatura feita aqui mesmo em nosso país por nossos escritores, sejam veteranos ou novatos.

Vozes do Joelma | Sobre os autores

Marcos DeBrito, Rodrigo de Oliveira, Marcus Barcelos e Victor Bonini são autores reconhecidos pela crueldade de seus personagens e grandes reviravoltas nas narrativas.

As mentes doentias por trás dos livros A Casa dos Pesadelos, O Escravo de Capela, Dança da Escuridão, Horror na Colina de Darrington, Quando Ela Desaparecer, O Casamento, Colega de Quarto, e da série As Crônicas dos Mortos, se uniram para criar versões perturbadoras sobre as tragédias que ocorreram em um terreno amaldiçoado, e convidaram o igualmente perverso Tiago Toy para se juntar na tarefa de despir os homicídios, acidentes e assombrações que permeiam os boatos sobre o Edifício Joelma.

Vozes do Joelma | Ficha Técnica

  • Título: Vozes do Joelma
  • Subtítulo: Os gritos que não foram ouvidos
  • Gênero: Suspense, Terror, Horror
  • Autores: Marcos DeBrito, Marcus Barcelos, Rodrigo de Oliveira, Victor Bonini e Tiago Toy
  • Formato: 16×23 cm
  • Páginas: 288
  • ISBN: 978-85-9581-088-4
  • Editora: Faro Editorial

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