O Livro É | O Homem que Odiava Machado de Assis

Em O Homem que Odiava Machado de Assis, autor brasileiro nos apresenta o ilustre desconhecido Pedro Junqueira, cujo azar maior foi cruzar caminho com o célebre escritor Machado de Assis

Imagine você que o aclamado e talentoso escritor brasileiro Machado de Assis e algumas de suas mais importantes obras sejam apenas a ponta de um iceberg cuja parte submersa é imensa e tem como força motriz o ilustre e desconhecido Pedro Junqueira.

Imagine também que Pedro Junqueira, cuja vida cruzou com a do grande escritor em diversos momentos e contra quem alimentou por todo esse caminho uma intensa, trágica e até mesmo cômica, disputa que — assim como o restante do iceberg acima citado — ficou oculta dos registros históricos oficiais.

Imagina ainda que as mais importantes obras de Machado de Assis tenham sido inspiradas na existência de Pedro Junqueira e que talvez, até mesmo, escritas por este personagem completa e totalmente desconhecido do grande público…

Pedro Junqueira, O Homem que Odiava Machado de Assis

Desde a infância que Pedro Junqueira, filho de um proeminente fazendeiro barão cafeicultor e grade proprietário de escravos, foi legado aos cuidados alheios após a morte de sua mãe, mais uma vítima da Tuberculose…

capa do livro O Homem que Odiava Machado de AssisNa chácara de Dona Maria José, tia do garoto, Pedro Junqueira, aos seis anos de idade, dividiu alguns de seus primeiros anos de vida ao lado do garoto Joaquim e da menina Joana, com os quais viveu travessuras, brincadeiras e rivalidades, estas últimas especificamente travadas contra Joaquim que, matreiro, não perdia nenhuma oportunidade de ludibriar Pedro que, apesar da dureza do pai, não passava ainda de uma criança mimada e de pouca malícia.

Nesse ambiente misto de “escola da vida” e lar de acolhimento, Pedro Junqueira aprendeu um pouco de tudo: amor, ódio, mentira, negligência, desprezo, preconceito, medo, dúvidas.

Mas chegou o dia de ir para as boas escolas que o dinheiro das fazendas e plantações de café do seu pai poderiam pagar.

Deixou para trás Joana, já uma linda moça e Joaquim, um rapaz magro, tímido, gago e que arriscava umas poesias aqui e ali.

Os anos levaram Junqueira para longe do Brasil, foi conhecer as terras lusitanas de nossos colonizadores, morou em Coimbra com tios que por lá viviam; se tornou grande amigo do músico Artur Napoleão com quem dividiu confidências e muitas e muitas garrafas de conhaque; formou-se em Direito, apesar de nunca ter exercido a profissão, ganhou oportunidades pelo título ostentado; conheceu Carolina Novais por quem passou a nutrir um estranho amor, quase uma obsessão; pede-a em casamento, mas a consumação do ato não ocorre, pois Junqueira foge da família da moça após promessas infundadas; Carolina, humilhada e desgraçada pelas promessas desfeitas, pede ajuda para Artur Napoleão que a leva para o Brasil, onde ninguém a conhece e pode começar vida nova longe da sombra da desonra que Junqueira lhe infligira…

Desesperado por descobrir o paradeiro de Carolina, Pedro se lance novamente em busca da ex-noiva, mas não a encontra, suspeita que Artur Napoleão a tenha seduzido e levado-a para o Brasil e, assim que possível, planeja partir após averiguar o destino da moça e do ex-amigo.

Pedro Junqueira volta ao Brasil, senão para encontrar seu grande amor, ao menos para usufruir melhor dos bens do pai e sua riqueza, com sorte até mesmo se lançar na promissora carreira política como deputado, onde poderia ganhar dinheiro sem precisar realmente trabalhar.

De volta ao país de origem, Pedro Junqueira reencontra muitos nomes do passado, dentre eles, claro, Artur Napoleão, que revela ao amigo todas as intempéries ocorridas com Carolina Novais e os motivos de sua vinda para o Brasil depois das humilhações sofridas pela família e pela sociedade em geral. As revelações do músico português sobre Carolina não são as melhores para Pedro…

Mas de todos os nomes do passado que retornam para atormentar Junqueira, nenhum é pior e mais forte que o do escritor Joaquim Maria Machado de Assis, o mesmo garotinho que anos atrás havia sido o primeiro Nêmesis de Junqueira e, pelo visto, seria para sempre seu grande rival para a vida toda…

O Homem que Odiava Machado de Assis | Fato, Ficção, Diversão e Reflexão

Assim, de forma rápida e intensa, o autor José Almeida Júnior tece uma teia intrincada em torno de alguns fatos peculiares sobre a vida do escritor Machado de Assis em seu inteligente, versátil e divertido livro O Homem que Odiava Machado de Assis.

Almeida Jr. parte de um princípio muito simples e, por isso mesmo genial, para erguer sua trama e conduzir sua narrativa: os pontos cegos ou obscuros da biografia de um dos mais célebres autores da Literatura Brasileira.

capa do livro O Homem que odiava Machado de AssisPela época da vida de Machado de Assis nem tudo fora registrado e até mesmo o que está guardado nas fontes históricas carece de alguns pontos a serem esclarecidos, mas o passar dos anos e das mudanças ocorridas na estrutura social tornaram impossível rastrear certos dados e fontes e é pouco provável que seja possível a essa altura do campeonato preencher essas lacunas.

Mas essa impossibilidade existe apenas no campo da história real do escritor e nos aspectos factuais, no entanto, essa impossibilidade não se aplica ao campo do fictício e da imaginação.

Acredito que para redigir sua aventura e criar toda a estrutura em torno da existência de Pedro Junqueira e de sua rivalidade com Machado de Assis, Almeida Jr. mergulhou fundíssimo na vida de Assis a ponto de saber exatamente quais pontos cegos poderiam ser utilizados e como deveriam fazer parte do livro.

Não só um exímio contador de histórias e escritor, Almeida Jr. se mostrou também um exímio ficcionista histórico, explorando os meandros da sociedade brasileira da época.

Nomes e personalidades históricas reais permeiam a aventura de Pedro Junqueira constantemente como coadjuvantes, fatos importantes como a abolição dos escravos brasileiros, por exemplo, também fazem parte da biografia fictícia do personagem, bem como da biografia real de Machado de Assis.

A rivalidade entre Junqueira, o personagem fictício, e Assis, o personagem real, dá a tônica da obra que vai gradativamente nos revelando os motivos pelos quais o primeiro simplesmente “sumiu” dos registros enquanto o segundo se tornou amplamente conhecido.

Além da grande habilidade como ficcionista histórico, Almeida Jr. também é ótimo contador de histórias e isso fica claro a cada capítulo de O Homem que Odiava Machado de Assis. O autor não tem pressa alguma em desenvolver seus personagens e arquitetar suas situações, diluiu sua parte criativa em meio ao contexto histórico de amplo conhecimento e ainda assim reservou inúmeras surpresas dentro de sua trama fictícia.

A prosa de Almeida Jr. também emula de forma bem natural o estilo textual que tínhamos na época das obras de Assis e seus contemporâneos literários e isso é outro dos pontos que colocam este livro entre os grandes lançamentos de 2019.

Todo o texto é escrito em primeira pessoa pelo ponto de vista de Pedro Junqueira exatamente como se fosse um livro da época, relatando os pontos mais importantes da biografia fictícia do personagem, cuja fala, estilo de escrita, discursos ideológicos e posturas refletem o homem branco, rico, filho de fazendeiro e vida boa do século XIX.

José Almeida júnior, autor do livro O Homem que Odiava Machado de Assis
José Almeida júnior, autor do livro O Homem que Odiava Machado de Assis

Soma-se ao cenário histórico muito bem reconstituído, à narrativa cadenciada e bem estruturada, aos personagens com muitas camadas e conflitos de diversas ordens e ao criativo mote fictício que se entrelaça com a realidade histórica uma severa, pesada e assertiva crítica à sociedade brasileira do período escravocrata pré-abolição que ainda se aplica tão bem ao Brasil que ruma para a segunda década do século XXI.

José Almeida Júnior é um nome que vem somar não só qualidade ao atual establishment literário brasileiro, ele é uma voz que vem somar um tanto de juízo e reflexão histórica sobre nosso país e nossa construção social, cultural e artística. Mesmo passando-se alguns séculos, as falas que o autor usa para pontuar os discursos da época de Machado de Assis são extremamente atuais e pertinentes.

Almeida Jr. põe na boca de alguns de seus personagens palavras como “mulato”, “mestiço” e “crioulo” que, a princípio, podem chocar alguns leitores que, por algum acaso do destino, tenham passados despercebidos pela tônica crítica e ácida da obra do escritor.

Mais do que soltas ao acaso, ou meramente perdidas como elementos de impacto gratuito, as palavras proferidas contra Assis devido a sua cor de pele vem enriquecer a perspectiva da construção social que por tantos séculos vigorou em nossa sociedade, seja ela considerada alta ou baixa. Este livro fala sobre preconceito… de todo tipo.

Ao dar voz aos preconceitos de pessoas brancas, ricas e socialmente mais aceitas como Pedro Junqueira, Almeida Jr. externaliza não só os preconceitos de uma época, o autor externaliza os preconceitos de toda uma nação que desde seu “descobrimento” se apoiou no trabalho escravo, na opressão do povo trazido de outro continente para neste aqui ser acorrentado, chicoteado, estuprado, espancado, morte e apedrejado.

Legados ao último plano de nossa jovem nação, os negros na obra de Almeida Jr. tem seu lugar marcado pela visão tacanha do jovem rico, branco, filho de fazendeiro cujo poder se ergueu nas gotas de suor, lágrimas e sangue dos povos africanos aqui aprisionados.

Reforço: este livro fala sobre preconceito… de todo tipo; mas acima de tudo, preconceito contra os negros que que chegaram aqui acorrentados e humilhados e por séculos assim permaneceram.

Mas o leitor não deve confundir autor e personagem em momento algum, o que Almeida Jr. realiza aqui é uma construção histórica, uma reprodução do ideal vigente e por mais pesado e chocante que isso possa ser, é preciso que se faça o discurso da forma como ele era no momento histórico ao qual a obra se reporta. Ao expor o preconceito de Junqueira em muitas de suas falas, o autor expõe não o personagem, mas toda uma época e uma sociedade.

Muito mais que o entretenimento trazido pela boa Literatura de Almeida Jr., é preciso enaltecer a excelente reflexão dessa Literatura, o que só faz jus ao legado do nome Machado de Assis.

foto do autor Machado de Assis corrigida para o autor ter sua tonalidade de pele realE, caso o leitor ainda não tenha tomado conhecimento, um dado importante se projeta anterior ao lançamento do livro e diz respeito à campanha “Machado de Assis Real” (veja o site da campanha AQUI) que tem por objetivo fazer talvez uma das mais importantes reconstruções históricas de uma das maiores celebridades literárias do Brasil: Machado de Assis era negro.

O principal ponto de partida da campanha realizada pela Faculdade Zumbi dos Palmares é bem simples e exatamente por isso genial: recriar a famosa foto do autor corrigindo sua cor de pele para a tonalidade negra.

Tal fato veio ampliar e enriquecer o livro O Homem que Odiava Machado de Assis, tornando assim ainda mais incisivo o preconceito imputado nas falas de Pedro Junqueira e em muitas de suas atitudes.

Reforço aqui que jamais devemos confundir a fala do personagem com a do autor, o primeiro é apenas um veículo ou instrumento para que o segundo posso montar sua trama e fazê-la fluir no rumo certo.

Ao lado do sempre excelente trabalho da Faro Editorial, temos sem sombra de dúvidas um dos mais importantes e emblemáticos livros nacionais lançados em 2019.

A campanha empreendida pela editora em suas redes sociais e os muitos eventos de lançamento e divulgação da obra só reforçam sua postura e compromisso com a literatura nacional, seus leitores e os autores que publica.

Faro Editorial

Alguns detalhes, mistérios e pormenores da obra prefiro não adentrar neste texto, deixando aqui as portas abertas para que o leitor se aventure a descobrir alguns detalhes “sórdidos” da biografia de Machado de Assis que somente Pedro Junqueira conhece.

Inclusive recomendo que os que pouco conhecem a vida de Machado de Assis deem uma olhada em sua biografia real para perceber a genialidade com que Almeida Jr. construiu seu inteligentíssimo livro O Homem que Odiava Machado de Assis.

O Homem que odiava Machado de Assis | Sobre o autor

José Almeida Júnior é escritor e Defensor Público do Distrito Federal, com pós-graduação em Direito Processual e em Direito Civil. Última Hora, seu primeiro livro, foi sucesso de público e crítica. O romance foi vencedor do Prêmio Sesc de Literatura de 2017, finalista do Prêmio Jabuti e do Prêmio São Paulo de Literatura.

O Homem que odiava Machado de Assis | Ficha Técnica

  • Título: O Homem que odiava Machado de Assis
  • Autor: José Almeida Júnior
  • Gênero: Ficção
  • Seção: Romance
  • Formato: 16 x 23 cm
  • Páginas: 240
  • Papel: Polén
  • ISBN: 978-85-9581-075-4
  • Editora: Faro Editorial
  • Preço: R$ 39,90

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Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.

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