O Livro É | Rio Vermelho, de Amy Lloyd

Em Rio Vermelho o jovem Dennis Danson é acusado, preso e sentenciado ao corredor da morte ainda muito jovem. O crime atribuído ao garoto na ocasião se referia aos desaparecimentos de várias garotas na cidade interiorana de Red River, onde Dennis levou uma infância e adolescência difícil ao lado dos pais e dos poucos amigos.

Após o julgamento e a sentença ao corredor da morte, Dennis acabou sendo foco de atenção no país todo em uma série de entrevistas, reportagens e acima de tudo, em documentários que abordaram sua história por diversos ângulos. Para o bem ou para o mal, Dennis se tornou uma celebridade.

Faro Editorial

Pessoas no mundo todo trocavam informações, análises e perspectivas sobre o caso de Dennis Danson em fóruns virtuais e alimentavam a esperança de que a situação do rapaz pudesse ser mudada e novos julgamentos marcados para invalidar provas superficiais e considerar outras mais consistentes surgidas com o passar dos anos.

Assim começa a história em torno de Dennis Danson e de Samantha (Sam), uma jovem professora inglesa que é uma das muitas admiradoras do caso de Red River e que não tarda a trocar correspondências e confidencias com Dennis do outro lado do Atlântico.

Navegando pelo Rio Vermelho

Rio Vermelho começa com uma narrativa excelente. Daquelas que nos arrebatam facilmente para o curso narrativo ágil, cheio de informações e pontos de vista. Particularmente tenho muito interesse no tema dos serial killers – e quem não tem? -, e apesar do livro não ser diretamente um livro sobre isso, o crime que cerca a trama principal tem ares de mistério e um culpado cujo julgamento parece um equívoco… Amy Lloyd fisga o leitor na largada.

Justamente por haver muitas incertezas sobre o caso é que Dennis Danson acabou se tornando centro de admiração, dúvida e mistério dentro da narrativa criada por Lloyd, cuja habilidade de conectar a narrativa padrão com trechos de “reportagens” e dos “documentários” sobre o crime atribuído a Dennis nos dão a forte sensação de verossimilhança sobre tudo que está acontecendo.

Lloyd é uma ótima narradora e cria um contexto forte, instigante e os primeiros capítulos do livro são realmente fascinantes. É pouco provável que toda a primeira metade do livro não seja algo no mínimo excelente. Sobretudo na jornada de Sam para chegar ao território americano, se encontrar com Dennis no presídio após a troca de correspondência entre eles e ver os primeiros passos do novo documentário que Carrie está dirigindo.

Ao lado de Carrie, realizadora do documentário Construindo a Verdade: O Assassinato de Holly Michaels, também grande amiga de Dennis, Sam percorre inúmeros locais por onde Dennis passou em sua juventude em Red River, conhecendo amigos, familiares e situações em torno de seu passado para o novo documentário cuja estreia será em breve, abordando novos fatos e perspectivas sobre tudo, inclusive sobre a possibilidade de um novo julgamento para Dennis.

Nesse ínterim a relação entre Sam e Dennis se intensifica mesmo com o vidro de segurança separando os dois. Um pedido de casamento enérgico e aparentemente franco de Dennis desarma Sam e um novo rumo se traça em sua vida a partir disso. Tudo que existia na Inglaterra fica para trás…

E o que parecia impossível se concretiza mais rápido do que se esperava e Dennis é inocentado em um novo julgamento após a revelação de outro assassino cujo DNA na cena do crime é suficiente para libertar Dennis de sua sentença de morte.

Desse ponto em diante se constrói no livro outro foco narrativo e outra estrutura. Enquanto na primeira metade da obra os trechos de entrevistas, reportagens, documentários, livros e opiniões pessoais permeavam o texto de Lloyd com informações e narrativa instigante, a segunda metade da obra desacelera quase que bruscamente eliminando completamente essa abordagem que multifacetava toda a situação de Dennis e a história como um todo.

Lloyd opta a partir do capítulo Red River por nos mostrar a conturbada relação de casal entre Dennis e Sam enquanto se adaptam ao status de casal. Paralelamente aos desentendimentos dos dois, a narrativa mostra Dennis se situando no mundo que se ergueu após sua estada no presídio: um mundo com internet, smartphones, tablets, redes sociais e Netflix.

O relacionamento dos sonhos almejado por Sam vai gradativamente se desmontando ao passo que Dennis vai se revelando uma pessoa difícil, cheia de manias, trejeitos e vícios de quem passou muitos anos vivendo só e num espaço mínimo.

Sempre se distraindo com as novidades tecnológicas e o assédio da imprensa, Dennis também não manifesta nenhum interesse sexual por Sam, o que a deixa extremamente frustrada na relação criada apressadamente por ambos.

Por outro lado, Sam também se mostra uma pessoa com suas próprias manias, anseios e desejos… sem esquecer seu relacionamento anterior cujo desfecho não foi nada positivo.

E tudo piora com as recorrentes visitas de Lindsay, amiga de infância de Dennis, cuja relação com o rapaz parece ser algo além de amizade, o que causa recorrentes crises de ciúme em Sam. Também retorna do passado o amigo Howard, filho do então delgado de polícia na ocasião da prisão de Dennis anos antes. Outra relação com Dennis cuja aparência vai muito além do que é.

Toda a segunda metade da obra, como disse, perde ritmo e força comparada com a primeira metade que antevia algo mais denso e elaborada com a construção em camadas de narrativas criadas por Lloyd: documentários, o livro dentro do livro (Quando o Rio Fica Vermelho de Eileen Turner), as entrevistas televisivas…

O uso dos documentários e trechos de informação de outras mídias que a autora usou tão bem e com tanta maestria são deixados de lado e o recurso que tanto abrilhantou o início do livro perde espaço para a arrastada e quase entediante relação entre Sam e Dennis.

Veja bem, não é que tenha fica ruim, pelo contrário, Rio Vermelho é uma narrativa de muita força e qualidade, só que me senti andando numa montanha russa cuja maior e mais vibrante curva é justamente no começo do passeio, enquanto o restante me parece apenas uma imensa e monótona linha reta com raríssimos solavancos de empolgação.

Claro, a autora segura bem sua proposta mesmo após tirar o pé do acelerador. Seus personagens vão ganhando muitas camadas de significado e aprofundamento, deixando uma série de dúvidas sobre o quadrilátero Dennis-Lindsay-Howard-Sam.

Tanto Dennis quanto Sam, bem como seus coadjuvantes, são ricamente desenvolvidos num texto objetivo, sem excessos e muito elegante.

Como um thriller, claro, não poderia faltar momentos de tensão e expectativas por parte da obra. Ao retornar para a antiga casa de Dennis em Red River, Sam se vê num série de momentos de medo e dúvida sobre a pessoa com quem se casou a ponto de questionar a inocência de Dennis ao longo do trajeto.

Mas Lloyd me pareceu uma narradora mais competente contextualmente do que na execução de momentos de tensão e suspense, pois mesmo essas situações de tensão achei que há pouca força pelo excesso de repetição no estilo das mesmas: a sequência das cenas é exatamente as mesmas em todas as ocasiões em que Lloyd começa a nos pressionar dentro de sua obra. Depois da segunda vez não há surpresa real na previsibilidade.

Isso tudo enquanto Dennis e Sam se arrastam na rotina de limpar a antiga casa de Dennis em Red River, onde a maioria das pessoas da cidade ainda tratam Dennis com extrema hostilidade e aversão. Essa foi outra parte do livro que me desanimou na leitura: limpar a casa, pôr os entulhos pra fora, Dennis sai pra correr, Sam ficava com medo, Dennis voltava, eles se desentendem, começava outro dia, Dennis sai, Sam ficava com medo, eles vão à cidade e são mal tratados… Lloyd parece que se enredou em sua própria teia e começou a percorrê-la em círculos insistentes. 

Enquanto Lloyd escreve uma obra inspirada em algo como o documentário seriado Making A Murder, cuja história é quase idêntica a de Rio Vermelho (ou vice-versa), temos uma obra espetacular, quando Lloyd decide abordar o que há na vida por trás dos holofotes, temos um livro bom apenas. É quase como se houvesse dois livros em um.

A diferença nas duas abordagens de Lloyd nos deixa claro que a autora é competente, só que é evidente que a maior parte dessa força reside na narrativa focada na cultura da subcelebridade, da construção do freakshow virtual, na dúvida da era da informação. Quando transita para o cotidiano entre duas pessoas problemáticas essa força se dilui em um texto que com absoluta certeza todos nós já vimos em outras obras.

Veja bem, não é algo que prejudique o livro, mas é uma sensação drástica na percepção da obra como um todo. Em um livro com 276 páginas, onde quase exatamente 100 páginas desse conteúdo são destinadas à rotina de limpar a casa, encrencar com alguém na cidade, alguém rondar a casa, Lindsay aparecer, Sam revirar as coisas de Dennis, eles discutirem, depois tudo fica bem entre eles; e aí repete-se tudo outra vez… 

Há um quê de frustração na obra que deixa para umas poucas páginas estabelecerem um desfecho rápido demais para algo tão denso e complicado construído ao longo do livro. Lloyd nos entrega uma obra de excelência em cada página, mas ao se alongar na rotina do dia a dia, acaba deixando pouco tempo e espaço para elaborar melhor o encerramento de seu livro.

Para não ser taxado de injusto, um paralelo entre Rio Vermelho e Morte Lenta é exatamente o que imagino para esse tipo de livro e narrativa. Enquanto Rio Vermelho começa como num pulo imenso e depois drasticamente vai para uma descida arrastada, Morte Lenta começa nos apontando uma direção detalhada, cadenciada e metódica que vai subindo, subindo e subindo numa curva crescente e não para até atingir um clímax impactante conectando cada passo que demos na narrativa.

O que uma obra tem a ver com a outra? Primeiro ambos são livros de suspense policial/investigativo, segundo ambos são do excelente catálogo da Faro Editorial que vem investindo muito no no gênero ao qual os dois livros pertencem.

O que quero ressaltar aqui é que em termos de força narrativa, Lloyd opta por inverter a curva de sua obra e isso não me pareceu uma boa opção, tirando de seu livro o “Excelente” da avaliação final, enquanto Morte Lenta vai numa crescente de fatos, personagens, situações e desfecho que são de encher os olhos, o que, na época da leitura do mesmo, lhe rendeu o “Excelente”.

Mas independente da minha avaliação/percepção de Rio Vermelho, temos aqui sim um livro de força inegável, tema atual e instigante redigido de forma extremamente fluída no saldo geral, não por acaso o livro é vencedor do prêmio VSD RTL como o melhor thriller estrangeiro de 2018! A premiação francesa escolhe os melhores suspenses publicados em língua estrangeira e em francês no ano, e Amy Lloyd ganhou seu segundo prêmio.

E claro, soma-se a tudo isso o sempre excelente acabamento físico que a Faro Editorial utiliza em suas publicações: ótimo papel do miolo em alta gramatura, capa em papel cartão com laminação fosca, texto do título em relevo e verniz localizado. Um primor no trato editorial que sem dúvida alguma torna Rio Vermelho um dos melhores lançamentos desse primeiro semestre de 2018 no segmento suspense investigativo/policial.

Rio Vermelho | Sobre a autora

AMY L LOYD estudou inglês e escrita criativa na Universidade Metropolitanade Cardiff. Ela ganhou a competição nacional do jornal britânico Daily Mail com este livro.Vive em Cardiff, no País de Gales,com seu parceiro e dois gatos.

Rio Vermelho | Ficha técnica

  • Título: Rio vermelho
  • Autor: Amy Lloyd
  • Gênero: Ficção estrangeira
  • Seção: Romance
  • Formato: 15,7 x 23 cm
  • Páginas: 276
  • Papel: polen 90grs
  • ISBN: 978-85-9581-014-3
  • Editora: Faro Editorial
  • Página do Livro na editora AQUI

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Rio Vermelho

  • 100%
    PREMISSA: - 100%
  • 80%
    DESENVOLVIMENTO - 80%
  • 90%
    PERSONAGENS - 90%
  • 100%
    CONTEXTUALIZAÇÃO - 100%
  • 75%
    PROCESSO NARRATIVO/ NARRATIVIDADE - 75%
  • 80%
    CONCLUSÃO/ DESFECHO - 80%
  • 85%
    AVALIAÇÃO FINAL: MUITO BOM - 85%
87%

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Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.

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