Especial Oscar 2018 | Trama Fantasma

TRAMA FANTASMA (Phantom Thread, 2017. Direção e roteiro: Paul Thomas Anderson. Elenco: Daniel Day-Lewis, Lesley Manville, Vicky Krieps, Camilla Rutherford, Gina McKee, Brian Gleeson.)

O anúncio da aposentadoria de Daniel Day-Lewis foi uma das notícias mais tristes para os cinéfilos e admiradores do ator. Day-Lewis, conhecido por inúmeras performances marcantes, concorrente e vencedor de vários prêmios, e detentor do recorde de ser o único ator a ganhar três Oscars de melhor ator – por Meu Pé Esquerdo, Sangue Negro e Lincoln –, é, sem dúvida, um dos maiores atores da história do cinema.

Trama Fantasma É de se esperar que o filme com o qual ele se aposenta seja de alto nível.

Trama Fantasma, além de ser o filme de despedida de Day-Lewis, é a mais recente obra do cultuado Paul Thomas Anderson, o diretor e roteirista responsável por criar filmes como Boogie Nights, Magnólia, Embriagado de Amor, O Mestre, Vício Inerente e Sangue Negro – no qual trabalhou com Day-Lewis.

Em Trama Fantasma, a história se passa em Londres, na década de 1950. Reynolds Woodcock (Day-Lewis) é o estilista mais renomado da cidade, confeccionando roupas para toda a elite londrina, através da sua marca The House of Woodcock, a qual gerencia juntamente à sua irmã, Cyril Woodcock (Lesley Manville).

Reynolds, com uma rotina bem planejada e controlada por ele, vê tudo mudar quando se envolve com Alma Elson (Vicky Krieps), uma garçonete que se torna sua amante e parceira.

Reynolds, uma figura controladora, perfeccionista e obsessiva, mantém tudo sob seu comando, contando com musas inspiradoras ao longo da vida – eliminando-as quando elas ameaçam seu padrão de vida.

Por isso, a chegada de Alma é algo revolucionário para ele, uma vez que ele sente a necessidade de estar perto dela e de ter ela por perto como sua inspiração, mas percebe que seu estilo controlador de vida é ameaçado pela sua presença – estabelecendo, assim, uma relação dual com a garota.

Por outro lado, Alma é o contraponto perfeito de Reynolds, se mostrando a mais determinada, firme, resolvida, e ameaçadora parceira do estilista ao longo de todos os anos. Enquanto todas as suas antecessoras se acomodavam e aceitavam as imposições do protagonista, Alma não se conforma com nada, questionando e confrontando Reynolds em vários momentos – o que coloca a relação dos dois naquela posição de amor e ódio.

Trama Fantasma No meio dos dois, Cyril se estabelece como uma espécie de mediadora, de “meio-termo” entre os embates de Reynolds e Alma. Ao mesmo tempo em que ela indica aos dois lados as coisas que estão dando errado, que eles não devem fazer, Cyril também é uma figura intocável dentro do núcleo familiar – várias vezes, durante a narrativa, ela mostra que é mais firme e ameaçadora que Reynolds e Alma, deixando claro que “não se pode bater de frente” com ela.

Três personagens extremamente complexos. O arco construído por Paul Thomas Anderson no filme é extremamente profundo e cheio de detalhes, tudo graças a esses três personagens que movem Trama Fantasma a todo momento. E, lógico, sem o elenco que escolheu, nada funcionaria tão bem.

Daniel Day-Lewis, mais uma vez – ou, melhor, pela última vez –, se entrega ao papel, e vive Reynolds Woodcock completamente. Não basta ser um estilista, dono de uma marca: o personagem tem que ter estilo, presença e imponência.

E Day-Lewis tem tudo isso em Trama Fantasma: o cabelo sempre bem penteado, as roupas sempre bonitas, a composição sempre bem alinhada, transformam o ator em um verdadeiro estilista. E a fala suave, o olhar atento – como se contasse linha por linha das suas confecções –, e a firmeza em todas as atitudes, sempre indicando que está no controle, marcam mais uma atuação de sucesso de Daniel Day-Lewis de um jeito que só ele verdadeiramente sabe fazer.

E é interessante ver um ator tão veterano contracenar com uma atriz relativamente nova para o cinema mundial – mas cheia de talento para mostrar. Vicky Krieps – que já participou dos filmes Anônimo e Hanna – ganha seu papel de maior destaque até então, como Alma Elson.

Krieps passa toda a delicadeza e o amor que Alma sente por Reynolds, ao mesmo tempo em que demonstra, sem hesitar, o quanto está determinada a não sair do lado do estilista. Com facetas frias e calculistas, Alma é o amor e o pior inimigo que Reynolds poderia ter – um mérito de Krieps na atuação.

Trama Fantasma E completando a trinca que move o filme, Lesley Manville atua como a parte neutra da equação, Cyril Woodcock. Sem risadas, sem simpatia, Manville deixa bem claro que é a parte mais sábia e mais misteriosa do núcleo. Toda vez que ela está presente em cena, o clima fica ainda mais tenso, pela sua observação nas atitudes dos dois – e pelos momentos nos quais os enfrenta, pela manutenção do sucesso dos Woodcock.

Toda a história é embalada pela excelente trilha sonora original de Jonny Greenwood – fiel colaborador de Paul Thomas Anderson –, que une acordes a fim de criar um som suave, agradável, e leve – um contraste irônico com os momentos de tensão do filme –, que tornam a experiência ainda mais profunda.

E, claro, se o filme é sobre estilistas, o figurino tinha que ser de primeira qualidade. As roupas – colaboração de Mark Bridges – se encaixam perfeitamente à época, além de serem belíssimas – desde a funcionária da grife de roupas até o próprio Reynolds Woodcock –, compondo toda a ambientação ainda mais.

É agradável dizer que Trama Fantasma tem muitas coisas marcantes, das quais vamos lembrar, além de simplesmente ser o último filme de Daniel Day-Lewis. Com um belo roteiro, uma boa performance de todos os atores principais, uma trilha sonora bem composta, figurinos bem confeccionados, e uma bela direção de Paul Thomas Anderson, a produção é confortável e uma bela obra de arte – algo no qual Anderson já é experiente.

Mas é inegável dizer que é com pesar que nos despedimos de um grande ator como Daniel Day-Lewis. Ainda bem que Trama Fantasma é um bom filme – e que Day-Lewis se despediu bem de nós, nessa última performance.

Trama Fantasma foi indicado a 6 Oscars em 2018: