O Livro É | Guerra do Velho, de John Scalzi

Guerra do Velho, senão é o melhor lançamento de Sci-fi Hard dos últimos cinco anos, no mínimo, ocupa com facilidade uma das três primeiras posições de um TOP 5 do gênero no mesmo período. John Scalzi não se tornou o autor queridinho de blogs, sites e videocasts por mero acaso.

Dono de uma prosa ágil, divertida, conceitos interessantes e uma narrativa coesa e empolgante, o autor construiu em Guerra do Velho um obra que lembra um ótimo filme de ação ou um daqueles games de guerra futurista como Halo, Crysis ou até mesmo o soberbo Mass Effect.

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Capa da edição de “Guerra do Velho” pela Editora Alpeh

Guerra do Velho foi uma das obras relativamente recentes (lançado em 2005 nos EUA) que mais me chamou a atenção na ocasião do anúncio de seu lançamento em nosso país pela Editora Aleph (página oficial do livro no site da editora – AQUI). Divertido, dinâmico, empolgante, tenso e renovador, Guerra do Velho parece que pegou tudo sobre guerras futuristas já feito nos últimos 20 anos em todas as mídias e bateu no liquidificador criativo de Scalzi.

A sinopse da obra me pegou de imediato e a ansiedade pela edição brasileira cresceu bastante: num futuro distante a humanidade se desenvolveu muito e ganhou as estrelas (até aí nada de novo), colonizou planetas cuja semelhança com a Terra era evidente (nada de novo novamente), encontrou e confrontou raças alienígenas em diversos graus de evolução tecnológica (até aí nada de novo outra vez) e para tanto, precisou ampliar suas forças de ataque e defesa para que pudéssemos sobreviver a um universo repleto de raças em constante guerra entre si, assim surgiram as Forças Coloniais de Defesa – FCD e sua peculiar características de recrutar idosos de 75 anos para seu exército. Essa é a parte realmente nova da coisa.

Calma, você não vai ler uma história onde heróis geriátricos carregando rifles, granadas e suas bengalas lutam contra as hordas de alienígenas pela galáxia. A coisa é muito, muito melhor que isso.

Recrutamento, despedidas e o lugar onde se vive

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John Perry visitou o túmulo de sua falecida esposa, lembrou-se de seus bons momentos ao lado da mulher que o acompanhou durante décadas. Lembrou com ternura, delicadeza, amor e acima de tudo, com humor e serenidade daqueles que já tem idade suficiente para encarar a vida com outros olhos e ares.

Aos 75 anos, Perry prestou essas condolências e se dirigiu ao posto militar das FCD, seu período de apresentação nas forças armadas havia chegado, em breve Perry deixaria a Terra para nunca mais voltar. Os que se apresentam às FCD partem do planeta e vão viajar pelo espaço defendendo as colônias humanas dos ataques de exércitos alienígenas cujo interesse em determinados mundos se assemelham aos nossos.

“No meu aniversário de 75 anos fiz duas coisas: visitei o túmulo da minha esposa, depois entrei para o exército.”

Já na sua apresentação, Perry mostra que é um personagem divertido, interessante, cativante, excessivamente comum, o que é fantástico. O personagem poderia ser um tio, um avô ou o pai de alguns de nós; aquele senhor mediano, que tem em qualquer família, que tem umas piadas engraçadas, outras nem tanto, mas que carregam consigo aquele conhecimento de vida de longos anos e que fazem questão de compartilhar com todos ao redor.

guerra do velhoPorém, nem mesmo todo o conhecimento que Perry tem do nosso mundo tem a menor serventia a partir de agora, a aventura que o aguarda simplesmente vai pegar todos os seus 75 anos bem vividos e jogá-los bem longe, nada do que virá adiante para este senhor tem parâmetros comparativos com que passou em sua vida.

Em sua subida para as naves e estações orbitais das FCD, Perry faz algumas amizades e com os novos amigos já vai logo especulando sobre o avançadíssimo elevador orbital que os transporta para uma gigantesca estação em órbita geossincrônica com nosso planeta.

O grupo de novos amigos se autodenomina de “Os Velharias”, e tudo sobre sua nova vida vira motivo de especulação e admiração.

Entre os muitos aspectos questionados pelo grupo de velhinhos está, claro, o mesmo questionamento do leitor: por que diabos recrutar um monte de velhos para integrar uma força militar de defesa das colônias humanas pelo espaço?

Sim, é um tanto estranho mesmo, mas, como disse acima, é aí que reside o charme da obra de Scalzi.

Apesar de muitas resenhas por aí já entregarem de bandeja essa questão sobre como os “velhos” do título da obra são integrados às fileiras das FCD, preferi deixar essa questão mais para frente e separada do corpo do texto, acho que fica bem melhor quando o leitor vai descobrindo isso por si mesmo durante a narrativa do livro que, diga-se, é espetacular.

Scalzi vai segurando a gente com uma maestria fantástica a cada página e cada conceito que o livro nos apresenta. Acho que é desleal um resenhista estragar esse prazer de quem está ali com a obra em mãos e já sabe alguns de seus momentos mais interessantes.

Guerra do Velho: Uma narrativa conectada com os novos tempos

Guerra do Velho é uma obra de seu tempo, dialoga que uma miríade de outras narrativas em outras mídias e faz o leitor contemporâneo, acostumado com filmes inteiros em computação gráfica e games com jogabilidade frenética e histórias instigantes. Guerra do Velho não poderia ser menos que tudo isso em sua narrativa.

Dentre as muitas passagens interessantes e que fariam qualquer bom fã de Sci-fi vibrar na poltrona estão algumas explicações nos treinamentos das FCD onde algumas raças e situações de combate são explanadas para os recrutas.

Cada raça e cada combate com elas é algo único e uma batalha com uma raça alienígena dificilmente serve de experiência para combater outra raça em outro mundo.

E esse foi o nosso azar ao sair conquistando mundos diferentes por aí: o universo, segundo John Scalzi, está repleto de mundos habitáveis que podem ser colonizados e transformados em novos lares de um lado, enquanto do outro, há mundos que podem ter seus recurso minerais explorados exaustivamente… e há aqueles que querem ambos para si, de um modo ou de outro.

O contato com essas raças alienígenas não gerou apenas um sem número de guerras, mas também um imenso intercâmbio tecnológico, direta ou indiretamente. Fato este que Perry e seus amigos inclusive elencam como um dos fatores da vastíssima tecnologia sob domínio das FCD e que jamais chegaram ao planeta Terra.

Há um abismo entre o que a humanidade alcançou em nosso planeta natal em relação ao que as FCD conquistaram entre as estrelas.

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John Scalzi

Para muito além das espetaculares cenas de batalha em terra ou nas grandes naves de combate, para além das descrições tecnológicas e biológicas dos nossos adversários, para além dos ótimos conceitos criados ou reaproveitados pelo autor, Guerra do Velho não é apenas um ótimo Sci-fi de ação desenfreada, Scalzi, ao colocar o simpático e divertido John Perry como protagonista de sua obra, dá a ela um tom intimista e reflexivo, não são poucas as ocasiões em que Perry lembra da esposa, das coisas e situações que viveu na Terra, Guerra do Velho é uma obra intimista também, sobretudo quando fala da brevidade de nossa existência, de nossa fragilidade física e do quanto estamos dispostos a esticar um pouco mais nosso passeio por aqui.

Mas não é nada como o que se encontra em obras de autores como Isaac Asimov, Arthur C. Clarke ou Philipe K. Dick, por exemplo; Scalzi é mais leve e pé no chão, por assim dizer. Mais tranquilo em suas reflexões não só sobre a vasta consciência da humanidade sobre sua infinitesimal parte no grande plano cósmico, mas também na forma de externalizar suas reflexões através de um texto leve, divertido e despretensioso.

É o olhar de um homem velho, conhecendo um universo cheio de novidades e se comportando como uma criança diante disso, talvez essa tenha sido a perfeita síntese do que qualquer um de nós teria sentido se estivesse no lugar de John Perry. Acredite, se sentir nesse lugar é facílimo; até mesmo o leitor menos afeiçoado ao gênero de Sci-fi se encanta com a leveza com que o texto reflete sobre certas coisas.

Conceitos e batalhas: O melhor do universo…

Que Scalzi é um ótimo narrador você já deve saber… mas agora vamos aos motivos: o cara sabe dosar momentos de tensão, ação frenética e um humor que beira o sadismo, tudo isso ao lado de tecnologias avançadíssimas, alienígenas estranhos e com uma incrível aptidão para a guerra.

As mutas incursões dos pelotões das FCD e as batalhas que aparecem ao logo do texto são um verdadeiro passeio por uns 30 anos de histórias de Sci-Fi de guerra futurista espacial.

Não foram poucas as ocasiões que ecoaram em meu pensamento tantos filmes, HQs e jogos de videogame que iam na mesma levada da narrativa divertida de Guerra do Velho. Parece que Scalzi joga ali em sua obra todas as armas, todos os veículos, todos os alienígenas que a cultura pop-nerd criou desde Star Wars até agora.

Scalzi não esconde desde o começo de Guerra do Velho sua admiração por Tropas Estelares do autor Robert A. Heilein (veja nossa resenha AQUI), mas olha, acreditem, o pupilo superou e muito seu mestre e por mais que Tropas Estelares seja um clássico e que tantos outros livros inspirou, Scalzi fez em seu livro um estrago equivalente ao que Heilein fez em sua época.

E ouso dizer: acho que Scalzi é hoje mais do que Heilein foi em sua época em termos de coesão e narratividade. Enquanto Tropas Estelares se arrastava com um apático, chato e mimado Juan Rico, Scalzi desfila página a página um John Perry curioso, divertido, instigante, esperto e mordaz.

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Robert A. Heinlein, grande influenciador da obra de Scalzi

Não à toa que Guerra do Velho é tão elogiado, Scalzi parece que estudou milimetricamente o que havia de melhor em livros e obras gerais de Sci-Fi futurista e deu a tantos conceitos e inspirações diferentes uma coesão precisa e inventiva, renovando conceitos amplamente conhecidos do leitor do gênero. Entre os conceitos mais interessantes, quero destacar aqui os BrainPalm, o SmartBlood, o fuzil MU-35 e, por fim, o collant padrão autosselante de corpo inteiro.

  1. BrainPalm são uma espécie de computador/inteligência artificial embutida no cérebro dos soldados das FCD, isso permite mantê-los em contato direto com seus pelotões e hierarquias de forma “silenciosa”; os soldados podem trocar mensagens, enviar localização, solicitar apoio, tudo sem precisar verbalizar nada de forma sonora, o que permite uma infinidade de estratégias e manobras de guerra no campo de batalha. É um dos recursos mais bem bolados do livro, muitas das peripécias narrativas de Scalzi nas batalhas giram em torno da utilização do conceito dos BrainPalm por seus personagens.
  2. SmartBlooé um aperfeiçoamento do sangue, na verdade um novo produto dotado de propriedades completamente mecanizadas devido às tecnologias nanométricas. Assim como o sangue normal, o SmartBlood “alimenta o corpo dos soldados das FCD, só que de forma mais eficaz e rápida. Por exemplo, sob a água um soldado das FCD pode ficar até uns 10 minutos sem respirar, apenas se mantendo com a oxigenação proporcionada pelo SmartBlood, além de tudo, o novo tipo de sangue é dotado de extrema velocidade de coagulação em regiões de ferimento, o que impede, obviamente, que um soldado venha a falecer devido a um sangramento.
  3. Fuzil MU-35 é a arma padrão dos soldados das FCD. Sua capacidade de operar diferentes disparos apenas por comandos via BrainPalm (vocalizados ou apenas subvocalizados pelo soldado), tornam os fuzis um verdadeiro arsenal de uma arma só.
    Tiros explosivos, tiros de projéteis perfurantes, granadas, tiros de longa distancia são algumas das modalidades disponíveis na arma. Além da versatilidade no que se refere aos tipos de disparos, os MU-35 são capazes de se autorreparar utilizando seu próprio “pente de munição” ou até mesmo qualquer outra matéria-prima disponível.
  4. Collant padrão autosselante de corpo inteiro é o traje padrão dos soldados das FCD. Diferente de outras obras de Sci-fi de guerra espacial, Scalzi optou aqui por algo bem interessante, pois a vestimenta de seus soldados não são pesadas armaduras e sim um traje collant de nanopartículas, cuja funcionalidade visa preservar o máximo possível os soldados em combate.
    Quando uma região do traje é atingida por um projétil, a área do impacto recebe instantaneamente uma camada de reforço de nanopartículas, tal qual uma carapaça se formando sobre a área, não impede a dor e nem as queimaduras pelo calor do projétil, mas impede a perfuração, evitando assim, danos aos órgãos internos.

Um conjunção de fatores torna a obra uma pedida e tanto de leitura. O fã de ação não vai ter do que reclamar, o fã de Sci-fi menos ainda. Divertido, inteligente e dinâmico, Guerra do Velho é um fôlego e tanto no segmento e cada passagem do livro é um lembrete constante dos motivos pelos quais tanto obra quanto autor acabaram caindo nas graças dos críticos e do público em geral.

Scalzi é um autor que sabe usar clichês a seu favor, basta o leitor mais atento pegar qualquer uma das sacadas do autor e notar como elas já existem em algum lugar, mas aqui, em Guerra do Velho, há aquele certo Quê de deboche.

O BrainPalm, por exemplo, não é algo inventando por Scalzi, há inúmeras obras em que uma Inteligência Artificial dialoga com um personagem diretamente em sua cabeça. Cortana, da saga Halo está aí desde 2001 auxiliando Master Chief contra as hordas do Covenant, só para citar um exemplo bem comum.

Aí vem Scalzi e usa um conceito similar, mas de uma forma completamente divertida, escrachada, quase como se estivesse “zombando” de décadas e décadas de Sci-fi na cultura pop; mas não é uma zombaria gratuita e provocativa, é na verdade uma imensa e alegre homenagem a tudo que precedeu Guerra do Velho na cultura pop.

Com uma narrativa ágil, objetiva e sempre cheia de encadeamentos que prendem o leitor em um ritmo cadenciado, Guerra do Velho é uma obra que, sem sombra de dúvidas, deve integrar a biblioteca do fã de Sci-fi de qualquer época.

Scalzi não reinventa o gênero, mas injeta em seu livro décadas de boas ideias repaginadas e que, na melhor parte de tudo, dialogam com quase tudo que se fez nas últimas décadas em games, séries de TV e quadrinhos.

Merece cada elogio feito em cada resenha por aí… Agora é aguardar pelas Brigadas Fantasma.

Estágio de Bônus

A sintonia da obra com outras mídias, sobretudo os games, é tão grande, mas tão grande que a Editora Aleph não deixou a peteca cair nesse sentido. Antenada sempre com as inovações e com a estética vigente, a Aleph não perdeu tempo em pensar no que há de melhor em arte digital para a capa da edição nacional de Guerra do Velho.

A cargo da missão ficou o artista gráfico Spath (Nicolas Bouvier – AQUI), responsável por nada mais nada menos que as capas das obras literárias do universo expandido da franquia Halo, incluindo-se aí as ótimas capadas da Trilogia Forerunner que já resenhamos aqui no PZ (AQUI, AQUI e AQUI). Diga-se de passagem, o trabalho gráfico da capa nacional ficou muito, muito superior ao material da edição americana.

Livros Halo
Spath, ilustrador das capas da Trilogia Forerunner é o mesmo artista da versão nacional de Guerra do Velho

GUERRA DO VELHO

A humanidade finalmente chegou à era das viagens interestelares. A má notícia é que há poucos planetas habitáveis disponíveis – e muitos alienígenas lutando por eles. Para proteger a Terra e também conquistar novos territórios, a raça humana conta com tecnologias inovadoras e com a habilidade e a disposição das FCD – Forças Coloniais de Defesa.

Mas, para se alistar, é necessário ter mais de 75 anos. John Perry vai aceitar esse desafio, e ele tem apenas uma vaga ideia do que pode esperar.

  • ISBN: 9788576572992
  • Edição:
  • Ano: 2016
  • Número de páginas: 368
  • Acabamento: Brochura
  • Formato: 16x23cm
  • Peso: 0,575kg
  • Preço sugerido: R$ 39,90

Sobre o Autor

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Designer de produtos e gráfico, mestre em comunicação, professor.

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